A janela da frente

Era só uma janela, aquela, onde eu queria estar. Poucos metros distanciam meus pés descalços, olhos cansados, do moço que lá eu vi entrar. Na verdade,  um entrou primeiro, talvez fosse o dono da casa, mas a porta já estava aberta e não posso confirmar. Logo depois, uns senhores entraram também, parecia festa, não pelo que eles vestiam no corpo, mas, de longe, pude ver certo brilho no olhar.

Do outro lado da rua estava eu, braços dobrados na minha janela, onde tudo eu podia ver. Ficava ali algumas vezes ao dia, observando o transitar das pessoas e a forma como as coisas costumavam mudar. Tantas pessoas apressadas de um lado para o outro, o semblante parecia um só. Expressões fechadas, passos largos e pouco se cumprimentavam. Ajudava meus pais na faxina do comércio e,  sempre antes do banho, a janela me chamava para “janelar”.

Nesse dia, onde vi o moço da janela da frente, fiquei com vergonha do jeito que estava. O vestido sujo, os pés calçados de lama e o cabelo despenteado. A suposta festa que parecia acontecer  era bonita, iluminada de um jeito que jamais em outra janela vi acender. Havia uma mesa grande, todos sentados ali; olhei para baixo e pensei: como poderia eu, naquele estado, ser convidada para ir. Quando volto meus olhos para cima, vejo uns olhos voltados para mim.

Senti estremecer meu corpo, o moço fitava-me seus olhos. Não era medo o que eu sentia, mas algo me impedia de encontrá-lo.  Percebi que não era uma festa, mas a porta aberta era convite para entrar. Seu olhar não me julgava, até me convidava, mas eu, que suja estava, decidi não aceitar. Ah, mas nunca vou esquecer! Sempre que me assento na minha janela, pergunto-me se estarei preparada para corresponder.

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