Ao abrir a porta

Quando eu era criança, tinha uma amiga que mais parecia irmã. Éramos inseparáveis. Para todo lugar que eu ia, pensava de chamá-la para me fazer companhia. E eu ia. Contava os passos até bater a sua porta. 110, era até onde eu conseguia gravar. Fechava os dedos como uma bola, levantava até a altura da minha cabeça e batia na porta. Três toques. Eu escutava os passos. A maçaneta se mexia, era sempre ele quem abria. “Seo” João. Pai da minha amiga. Benção tio?! – Deus te abençoe, filha.

Entrava e ia ter com ela para irmos aonde eu pretendia.

Os meses, os anos se passavam e quase sempre era assim que acontecia. Até um dia que ele não apareceu, adentrei a sala e também não o vi. Foi estranho. Gostava quando ele me perguntava aonde as donzelas iriam se apresentar.

Hoje, escrevendo uma carta a alguém especial, recordo-me dessa porta. Era de madeira maciça, tinha aquela cor bonita, viva. Era grande e passava uma impressão que protegia quem ali atrás estivesse. E ao abrir a porta, lá estava ele. Na minha cabeça de criança, mais parecia o guardião de um castelo.

Na minha carta de amor, escrevo:

Ao abrir a porta, desejo que esteja lá. Pode ser que você não esteja na sala. Mas desejo que esteja lá. Ao abrir a porta, após um dia exaustivo de trabalho, só desejo que esteja lá, nem precisa me dizer nada.  Um olhar de conforto basta para que eu agradeça pelo dia. Ao abrir a porta depois de receber uma boa notícia, o que mais quero é que esteja lá para que eu possa contigo compartilhar.

A casa já não é de “seo” João, não é a mesma porta e agora é um outro guardião. Ao abrir a porta é você quem eu espero cruzar o olhar, sentir o cuidado embutido em teus braços. Os pés firmes andando pela sala a procura de algo que perdeu. Que não perdeu, apenas deixei na gaveta direita da escrivaninha.

Antes de abrir a porta, por tantas ruas eu andei. Tantos caminhos desviei e tropecei. Mas eu só queria chegar! As sacolas pesadas me doíam as mãos, e quantas pessoas passavam e cumprimentavam apenas por educação. E, assim como quando eu era criança, contava os passos. No peito ardia o medo. Encontraria quem eu tanto desejava me esperar? Nas sacolas que eu carregava, estavam uns mimos que comprei. Pensava na tarde de sábado, café com chocolate e, acaso viesse, a chuva a nos fazer companhia.

 Esse percurso demorou mais que eu previa, nada posso reclamar já que era ao longe que me escondia. Casa simples com quintal grande, pés de frutas ao fundo. Da janela, um vasto horizonte. Caminho entre as flores que plantei no jardim. De frente para ela agora estou. E ao abrir a porta…

Sharing is caring!

0 0 votes
Article Rating
Subscribe
Notify of
guest
4 Comentários
Oldest
Newest Most Voted
Inline Feedbacks
View all comments
Jairo
Jairo
3 anos atrás

Quando lançar o livro, vou querer o meu autografado…

Marília Laura Campos
Marília Laura Campos
2 anos atrás

Quanta sensibilidade, eu não aguentei segurar a emoção. O mundo precisa te conhecer, você é incrível! I love tou. ❤️👏👏👏