Amarre o cadarço

Hoje ao olhar meus sapatos, encontrei um cadarço perdido entre eles. Tentei lembrar de qual deles seria mas não obtive sucesso. Estava limpo, peguei e guardei na gaveta, com a esperança de recordar seu parceiro originário. Fui para o trabalho e segui minha rotina normal. Era só um cadarço perdido e não mudaria a ordem das coisas, naquele dia.

A tarde passou e caiu a noite. Deitei. Levantei para pegar um par de meias, meus pés estavam gelados e assim eu não conseguiria dormir. Solitário eu vi o cadarço mais uma vez. Calcei as meias e me pus a pensar. Que serventia eu arranjaria para ele, teria alguma utilidade outra que não entrelaçar algum sapato? Penso e observo que sim, seu material era bom, resistente. Mas que triste é pensar que ele perdeu a sua função primeira, quão bonito é um tênis bem laçado, que harmonia graciosa é um sapato arrumado.

Não se usa um único pé de calçado, exceto em algumas situações. Fiquei a me imaginar como um cadarço perdido. Embora seja um só, o cadarço consegue parecer dois, quando se vai amarrar um tênis, é lei juntar as pontas e deixar os dois lados por igual. Ponta com ponta. Colocado desta forma, começa o cruzamento das curvas, uma ponta para um lado, outra para o outro. Assim vão até chegar ao topo. Encontro. Seguiram num mesmo caminho. Tinham o mesmo objetivo. E como num ato de amor, unem-se. Um nó sela e deixa firme o que construíram juntos, um pé seguro que não vai escapar. Mas este é apenas um. Esta é a força que ele tem por si mesmo. Por isso se faz útil.

No entanto, não se usa um único pé de sapato, exceto em algumas situações. Não faz sentido o calçado esquerdo sem o direito e vice versa; nasceram para ser Par. Um tênis bem amarrado não vai correr sozinho, tampouco escalar uma montanha. Essa é a tristeza de um cadarço perdido.  Por mais forte que seja, sua função é combinar com outro, ter sincronia, alternar passos. Mas sempre chegando num mesmo lugar.  Seria eu realmente um cadarço perdido? Será que essa tristeza que ora dá as caras é uma lembrança de que preciso ser par?

Na manhã seguinte, ouço minha mãe tagarelar. Estava na área de serviço e só escuto ela falando:

– Já falei que não mistura roupa branca com colorida, ainda colocam cadarços na máquina! Vou te contar, viu!

 Fui ver se era comigo mesmo. Subitamente um sorriso me cobre o rosto. Em suas mãos, um solitário cadarço amarelo. Não mais solitário até tomar um sol. Aliviada me sinto. Não sei por que razão, ainda não descobrira de qual par de sapato eram aqueles cadarços, mas com certeza caminhariam juntos novamente. Pensei em mim. Talvez eu não seja um solitário perdido! Esperança.

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